A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), em decisão unânime, localizada que o Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) não incide sobre o adiantamento do legítimo — ou seja, sobre a doação em vida de bens ou direitos que venham a compor uma futura herança. O julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 1439539, envolvendo a União e o contribuinte Douglas Conrado Stange, foi finalizado nesta terça-feira (22/10) com o voto-vista do ministro Luiz Fux, que acompanhou o relator, ministro Flávio Dino, com uma pequena ressalva.
A polêmica girou em torno da alegação da União de que, no caso de doações em vida, haveria um acréscimo patrimonial sobre o que deveria incidir o IRPF. A Procuradoria da Fazenda Nacional sustentou que o doador deveria pagar o imposto com base na diferença entre o valor do bem declarado no Imposto de Renda e o valor de mercado no momento da doação.
No entanto, prevaleceu o entendimento do relator Flávio Dino, no sentido de que o facto gerador do Imposto de Renda não se verifica nesse tipo de transação. Para o ministro, a doação de bens que compõem a herança, enquanto adiantamento da legítima, não configura acréscimo patrimonial tributável pelo IRPF. O julgamento confirmou a posição já consolidada de que essa antecipação de herança não gera o tipo de incremento patrimonial exigido para a incidência do tributo.
O ministro Luiz Fux, ao acompanhar o voto de Dino, ressaltou a importância de distinguir as bases de design dos diferentes tributos envolvidos. Segundo Fux, "a base de cálculo do Imposto de Renda não se confunde com a do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD)". Ele esclarece que, embora o IRPF exija acréscimo patrimonial para incidir, o ITCMD tem como base o valor venal do bem transmitido. Apesar dessa distinção, Fux concluiu que, no caso em questão, não houve materialidade tributária que justificasse a cobrança do IRPF.
Por parte da União, a procuradora Luciana Moreira, representante da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), argumentou que a matéria deveria ser discutida em plenário, uma vez que o tribunal de origem declarou a inconstitucionalidade da incidência do IRPF. Segundo o procurador, nos termos do artigo 1.035, parágrafo 3º, inciso III, do Código de Processo Civil (CPC), há repercussão geral sempre que um recurso extraordinário discuta acórdão que registre a inconstitucionalidade de uma lei federal.
Luciana Moreira também trouxe à tona inovadora à União, julgada tanto pela 1ª quanto pela 2ª Turma do STF, nos quais o tribunal teria reconhecido a possibilidade de incidência do IRPF em situações semelhantes. Entre os casos citados estão o RE 1269201 (julgado em 2021), o RE 1425609 (julgado em maio de 2023) e o RE 1437588 (relatado por Fux em agosto de 2023). Esses precedentes, segundo ela, indicariam a necessidade de uma uniformização da documentação.
Apesar do pedido da PGFN, o ministro Alexandre de Moraes, presente na sessão, ponderou que o momento processual não era oportuno para proporcionar o deslocamento da discussão ao Plenário, uma vez que o julgamento já estava em sua fase final. Com isso, a Primeira Turma finalizou o julgamento com a reafirmação de que não há incidência de IRPF sobre o adiantamento da legítima.
Essa decisão do STF proporciona maior segurança aos contribuintes que pretendem realizar seus planejamentos sucessórios. O tema ainda não está pacificado, mas é mais um passo para que o assunto se estabilize no Judiciário, evitando com que os contribuintes tenham de recolher dois tributos, ou seja, o IR e o ITCMD - Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doação. Este imposto é estadual e de fato incide nas doações e na transmissão em decorrência do falecimento (inventário), mas a cobrança do IR pela Receita Federal é um abuso, de modo que a 1ª Turma do STF acertou em afastar sua cobrança em conjunto com o imposto estadual. Uma vitória importante para os contribuintes.