A reforma tributária foi aprovada na Câmara: e agora?
A simplificação do Sistema Tributário Nacional sempre foi uma das principais máximas para justificar a Reforma Tributária. Mas será mesmo que a PEC 45/19, com emendas aglutinativas de última hora, promove a simplificação do Sistema Tributário Nacional?
Para compreender melhor o assunto é importante darmos um passo atrás. O Sistema Tributário Nacional é composto por um conjunto de normas das mais variadas formas e hierarquias. Ele começa com a Constituição da República Federativa do Brasil, seguida das leis Complementares, das leis Ordinárias e das normas infralegais.
O texto do aprovado pela Câmara dos Deputados prevê em 58 momentos a necessidade de regulamentação por lei. E pelo disposto no art. 146, inciso III da Constituição da República, esta lei tem de ser lei Complementar, que tem rito especial de aprovação.
A Reforma Tributária aprovada pela Câmara dos Deputados extingue os seguintes tributos: IPI, ICMS, ISS, PIS e COFINS.
Por outro lado, ela institui os seguintes tributos: a CBS, o IBS e o IS, além de criar a possibilidade de os Estados instituírem uma contribuição específica em seus territórios, sobre produtos primários e semielaborados. Veja-se o texto proposto, que foi inserido na Emenda Aglutinativa à PEC 45:
"Art. 20. Os Estados e o Distrito Federal poderão instituir contribuição sobre produtos primários e semielaborados, produzidos nos respectivos territórios, para investimento em obras de infraestrutura e habitação, em substituição a contribuição a fundos estaduais, estabelecida como condição à aplicação de diferimento, regime especial ou outro tratamento diferenciado, relacionados com o imposto de que trata o art. 155, II, da Constituição Federal, prevista na respectiva legislação estadual em 30 de abril de 2023.
Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se até 31 de dezembro de 2043."
Ora, o discurso de que a Reforma Tributária irá simplificar o Sistema Tributário Nacional não se mostra coerente com o texto aprovado, pois o que de fato está ocorrendo é a substituição de cinco tributos por quatro no âmbito das relações de consumo. Há simplificação nisso?
Além disso, o texto se mostra preocupante quando não concede parâmetros minimamente razoáveis que limitem a atuação do legislador quando da aprovação da legislação complementar que irá regular o texto.
Isso porque, o Código Tributário Nacional que é uma lei com status de lei Complementar, prevê em seu art. 97 que os principais elementos do tributo (sujeito passivo, fato gerador, base de cálculo, alíquota, etc.) somente poderão ser criados por lei em sentido estrito, salvo para os tributos extrafiscais. Nesse caso, atos do Poder Executivo, por exemplo, não podem estabelecer o sujeito passivo de uma relação jurídico-tributária por delegação de uma lei.
Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal, por meio do Controle Concentrado de Constitucionalidade, no julgamento das ADI's 1.296 e 1.247 MC que tiveram como relatores, respectivamente, o ministro Celso de Mello e ministro Joaquim Barbosa, sedimentou entendimento até o momento não superado:
"Matéria tributária e delegação legislativa: a outorga de qualquer subsídio, isenção ou crédito presumido, a redução da base de cálculo e a concessão de anistia ou remissão em matéria tributária só podem ser deferidas mediante lei específica, sendo vedado ao Poder Legislativo conferir ao chefe do Executivo a prerrogativa extraordinária de dispor, normativamente, sobre tais categorias temáticas, sob pena de ofensa ao postulado nuclear da separação de poderes e de transgressão ao princípio da reserva constitucional de competência legislativa."1
O que garante à população brasileira que a legislação complementar a ser aprovada para regulamentar a PEC 45/2019, quando efetivamente aprovada, não irá modificar o Código Tributário Nacional para permitir que a lei delegue ao Poder Executivo a edição de atos que hoje ele não pode editar?
O Brasil viu isso acontecer recentemente com o PERSE, cujas normas acabaram por permitir com que ato do Poder Executivo definisse o sujeito passivo da relação jurídico-tributária.
Portanto, a Reforma Tributária que está em trâmite apresenta problemas técnicos que podem ensejar mais contencioso tributário ainda, para além do congestionamento do Judiciário que já tem grande participação das ações em matéria tributária.
Não nos parece que o Senado Federal fará grandes mudanças, pois a fala de seu Presidente deixa claro o interesse em se aprovar a reforma que segundo ele: "É a arte de ceder e não buscar mais espaço ou mais conquistas, a reforma tributária não comporta isso. Não é hora de falar em amadurecer mais o texto e discutir mais. De tão madura, já é hora de colhê-la do pé".
Alguém tem dúvida de que a Reforma Tributária será aprovada?
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